Concessão (2010)

Editora: Malheiros

Autor: Vera Monteiro

 

Este livro é resultado da tese de doutorado de Vera Monteiro, e examina os elementos que caracterizam o gênero concessão, propondo que ele seja estudado autonomamente, para não ser confundido com suas espécies.

Confira, a seguir, a entrevista que Vera Monteiro concedeu ao Informativo Direito Público e Cultura Jurídica da sbdp, a respeito do seu livro “Concessões”.

ENTREVISTA

Direito Público e Cultura Jurídica – Por que é necessário revisitar, hoje, as concepções teóricas sobre a concessão?

Vera Monteiro – Porque o uso da concessão para além da prestação de serviço público padecia de suporte teórico. Recentes alterações legislativas, como a Lei das Parcerias Público-Privadas, despertaram a dúvida sobre os limites da concessão, fazendo surgir a seguinte reflexão: a concessão serviria exclusivamente para a prestação de serviço público, ou poderia envolver bens e outras atividades prestadas pelo Estado? Sob qual fundamento constitucional? Qual esfera federativa teria competência para legislar sobre novos usos da concessão? O regime jurídico dos novos contratos seria exclusivamente o da Lei nº 8.987/95, ou seria possível flexibilizar o princípio da legalidade em matéria de contratos administrativos?

Estas foram as perguntas principais que levaram ao desenvolvimento do trabalho. Foi possível demonstrar, por exemplo, que parte da visão restritiva sobre as hipóteses de cabimento da concessão decorre da aplicação de conceitos históricos construídos para dar suporte a certas situações fáticas que, sem deixar de existir, passaram a compor um cenário muito mais complexo. Um cenário, aliás, que tem levado ao debate sobre a importância da atualização da teoria clássica do contrato administrativo.

Direito Público e Cultura Jurídica – Sua pesquisa mostra que há uma forte tendência doutrinária de definir a concessão através de seus mecanismos tradicionais, propondo, ao invés disso, que se busque caracterizá-la pela sua função. Qual é a função da concessão e quais são as vantagens dessa forma de explicação teórica?

Vera Monteiro – Dada a profusão de normas sobre concessão, e a dúvida decorrente sobre quais regras seriam aplicáveis em um caso concreto, passou a ser relevante a identificação do gênero “concessão”, para compreender as várias espécies de concessão existentes no direito administrativo brasileiro (concessão de serviço público, concessão de obra pública, concessão de uso de bem público, concessão urbanística, concessão administrativa etc.).

Assim, o trabalho procurou interpretar a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional para identificar eventuais limites constitucionais que poderiam servir de argumento contrário à construção de entendimento mais amplo sobre concessão. O que se verificou foi que nem a Constituição Federal, nem a Lei nº 8.987/95, interditaram outros usos do instrumento, para além do serviço público, de modo a dar suporte à decisão do titular do serviço ou bem que optar pela concessão para sua prestação ou exploração. A Administração Pública pode induzir comportamentos privados para atender a certo fim público por meio da concessão.

A concessão surge, então, como instrumento contratual cuja função própria é viabilizar a realização de investimentos significativos voltados à disponibilização de bens e serviços à sociedade, por meio de estrutura financeira que aceita a composição entre capital público e privado. A definição do gênero “concessão” por meio de sua função passa a dar suporte teórico às várias espécies de concessão, que devem ser estruturadas para compor o melhor arranjo contratual diante de um caso concreto. Concessão é instrumento apto a viabilizar uma enorme gama de negócios entre o público e o privado que dependam de uma relação contratual estável, de longo prazo para viabilizar a amortização de investimentos, e com remuneração vinculada a resultados, para permitir a apropriação pública da eficiência privada.

Direito Público e Cultura Jurídica – A demonstração da existência do gênero “concessão” permitiu-lhe desenvolver a ideia de que há permeabilidade entre as espécies de concessão. Quais as consequências decorrentes de tal reconhecimento?

Vera Monteiro – Ao se reconhecer a existência do gênero “concessão”, foi possível perceber que cabe ao contrato estabelecer o regime jurídico aplicável para o negócio que lhe deu origem. Na sua confecção é possível que seja ultrapassada a barreira da lei que trata do modelo abstrato de concessão a ele subjacente e traga mecanismos de outra espécie de concessão.

Trata-se do reconhecimento de verdadeira permeabilidade entre as espécies de concessão, a partir do pressuposto de que são instrumentos que desempenham a mesma função. Os mecanismos de uma espécie concessória podem ser associados a outras espécies concessórias e mesmo a outros tipos contratuais, seja lá qual for a denominação que recebam (permissão, autorização, franquia pública, arrendamento etc.), desde que tenham por finalidade a função de realização de investimentos significativos para a disponibilização de bens e serviços à sociedade.

Direito Público e Cultura Jurídica – Ainda faz sentido pensar o contrato administrativo em oposição ao direito privado? Que aspectos dos contratos de concessão induzem à atualização da teoria clássica do contrato administrativo?

Vera Monteiro – Teorizar sobre o contrato administrativo a partir de sua oposição com o direito privado gera distorções, pois leva à indevida suposição de que contrato administrativo é sinônimo de poder de autoridade, além de uniformizar o regime contratual administrativo, fazendo incidir em todos os tipos contratuais as chamadas exorbitâncias em favor do contratante público.

Por isso, é preciso desmistificar a natureza exorbitante do contrato administrativo em prol do reconhecimento de uma relação contratual dialogada, marcada pela consensualidade e pela perda do autoritarismo gratuito. A crescente substituição da figura da “Administração por autoridade” pela de “Administração por consenso” na atividade administrativa em geral propõe que o contrato administrativo seja teorizado a partir da lógica da convergência de interesses entre as partes, e não de uma (inerente) posição contraposta.

Além disso, é preciso reler o princípio da legalidade em sua formulação clássica para que a Administração Pública possa celebrar contratos (e estruturar modelos de negócio) que não tenham sido previamente tipificados pela lei, mas que tenham respaldo na teoria geral dos contratos.

Mas não se pode perder de vista que o contrato é um instrumento limitado de regulação entre as partes, porque não é capaz de antecipar todos os problemas futuros decorrentes de sua execução. Quando os mecanismos de consenso nele previstos forem incapazes de resolver os conflitos, o próprio contrato deve prever como e quando o Poder Público pode interferir unilateralmente na relação, seja para modificá-la ou para extingui-la.

No do livro “Concessões”, o Prof. Fernando Dias Menezes de Almeida, orientador da tese de doutorado de Vera Monteiro, aponta que:

“A autora dedicou-se a analisar, de modo cartesiano, os elementos tradicionalmente apontados como essenciais da concessão, com o intuito de verificar sua adequação, ou não, à realidade contemporânea. Tratou do tema pelo enfoque evolutivo, mostrando que “do ponto de vista teórico não interessa conceituar a concessão de forma absolutamente fechada, já que é instituto em franca transformação”. Notou, de modo muito bem fundamentado, que a identificação da concessão pelos elementos tradicionalmente tidos como essenciais, nem sempre acompanha a constante adaptação das espécies de concessão à forma de atuação do Estado. Sustentou, então, que “nos variados usos da concessão, ela tem sempre servido a uma função: viabilizar a realização de investimentos significativos para promover a disponibilização de bens e serviços à sociedade”. Essa a essência. Nessa perspectiva, confirmou a hipótese inicialmente lançada em sua tese, quanto à concessão constituir um gênero, que comporta diversas espécies. Concluiu, enfim, com uma idéia que é, para mim, particularmente cara: “a conclusão foi de reconhecimento de verdadeira permeabilidade entre as espécies de concessão a partir do pressuposto de que são instrumentos que desempenham a mesma função. As leis que tratam das espécies concessórias têm caráter meramente autorizativo, cabendo aos contratantes privado e público, em conjunto, elaborar a melhor composição dos mecanismos de colaboração no instrumento contratual”. Em suma, no livro de Vera Monteiro o leitor encontrará uma abordagem original sobre a concessão, destacando sua funcionalidade e suas condicionantes histórico-sociais. Nesse sentido, ao contrário de ser supérfluo, traz uma imprescindível contribuição para o debate e para a evolução das idéias sobre um tema fundamental do Direito administrativo.